Não há como negar que diversos fatores podem levar uma empresa saudável a uma situação de crise econômico-financeira. No Brasil, especificamente, a situação de crise está mais próxima dos agentes econômicos empresariais, dadas as circunstâncias já comuns de taxa de juros, inflação e instabilidade elevada, entre outros problemas de ordem estrutural.
Em conjunto com a crise, surge a dificuldade da empresa em manter o cumprimento de obrigações em curto e longo prazo presentes em seu passivo (circulante principalmente), através de recursos financeiros em caixa, de ter acesso a novas linhas de crédito e de manter o nível de crédito já existente e concedido. Nesse ponto, a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que surgiu com o propósito de proporcionar e viabilizar oportunidades de recuperação para empresas em situação de crise, não fornece os auxílios necessários para o acesso a crédito. Inclusive, verifica-se que a falta de crédito para empresas em recuperação impede, na maioria dos casos, que a própria Lei cumpra a função desejada.
O percurso para tomada de crédito ou sua manutenção por empresas em recuperação judicial revela-se tormentoso, na medida em que a restrição de crédito, principalmente por instituições financeiras, é automaticamente aplicada nesses casos em virtude da própria regulação do setor bancário, que, ao contrário de facilitar, acaba dificultando os procedimentos operacionais para concessão de crédito.
Na realidade, no nosso país, até mesmo as empresas saudáveis têm dificuldade na obtenção de crédito. Para empresas em recuperação, essa dificuldade cresce exponencialmente. Mesmo quando a captação de crédito em recuperação judicial é possível, o dinheiro acaba tendo um alto custo para as empresas que se encontram nesse procedimento, uma vez que as instituições financeiras atribuem a operações dessa natureza uma classificação de alto risco de inadimplemento, ou de perigo e incerteza na satisfação do crédito pelas empresas.
A tentativa de as empresas em recuperação manterem a execução de contratos bancários, onde há a concessão de crédito, não se revela menos problemática do que a concessão de crédito novo. O travamento da execução de contratos por instituições financeiras, cujo objeto prevê a concessão continuada de crédito, como ocorre, por exemplo, com os contratos de desconto bancário, de conta-corrente, cartão de crédito, entre outros, geralmente é tida como medida-padrão em vista da presunção de risco iminente de inadimplemento pelas empresas em recuperação.
Outrossim, o procedimento de recuperação judicial, nada obstante ter sido introduzido com o objetivo de sanar a situação de crise econômica pelo devedor, possibilitando a preservação da atividade empresarial, demonstrou-se como uma ferramenta insuficiente para a obtenção de crédito no mercado pelas empresas em crise. Nesse sentido, apesar de ter o favor legal deferido, muitas empresas não conseguem sequer suportar os custos para tocar o procedimento até a concessão da recuperação judicial, tendo inúmeras dificuldades em manter até mesmo as linhas de crédito já existentes.
A falta de regras específicas para a obtenção de crédito por empresas em situação de crise, seja na Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, seja em outros diplomas legislativos, faz com que as instituições financeiras sejam compelidas a evitar o financiamento de empresas em recuperação judicial, diante das regras cogentes de aprovisionamento de créditos em razão de riscos de inadimplência.
Essa mesma situação de aprovisionamento obrigatório também é aplicada para os contratos bancários de execução continuada de crédito já concedido, situação que também dificulta a manutenção desses pactos pelas instituições financeiras em procedimentos de recuperação judicial.
Poucas normas regulamentares dispõem sobre a concessão ou a manutenção de crédito para empresas em recuperação judicial, mesmo que de forma indireta, sendo o assunto geralmente tratado em regulamentações específicas do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BCB). Todavia, nenhuma é mais criticada pela doutrina especializada do que a Resolução CMN nº 2.682, de 22 de dezembro de 1999, haja vista que referida norma determina o aprovisionamento obrigatório de 100% dos valores fornecidos às empresas em recuperação judicial, mesmo que o contrato não esteja vencido ou inadimplido pelo beneficiado.
Com efeito, mesmo nos contratos onde há a execução continuada pela empresa e pela instituição financeira, a última é obrigada a realizar o aprovisionamento dos valores em caso de deferimento ou concessão de recuperação judicial, situação que torna a execução da avença cara e complexa. Logo, sobressai-se como alternativa mais eficiente e viável para instituições financeiras a interrupção do contrato, uma vez que representa medida que proporcionará a redução de custos de transação, de oportunidade e de agência.
Obviamente que, nestas situações, a empresa em crise é quem efetivamente sofre com a interrupção de crédito por instituições financeiras. Todavia, ainda para os casos em que a empresa dependa exclusivamente de fornecedores que não se enquadram no seguimento de instituições financeiras, a situação não é diferente. Isso porque não há grandes benefícios legais para que fornecedores e demais agentes econômicos mantenham a concessão de condições mais favoráveis para empresas em recuperação judicial. Nem mesmo o benefício legal previsto no artigo 67, caput e parágrafo único, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, fez com que essa classe superasse a extrema aversão ao risco de inadimplemento decorrente das empresas submersas em procedimento de recuperação judicial.
Todos os problemas ora relacionados interferem diretamente no fluxo financeiro mais sensível de uma empresa em recuperação. Obviamente que, nesse panorama, está inserida a execução de contratos bancários que têm como objeto o financiamento “continuado” de empresas em recuperação, haja vista que esses contratos interferem diretamente na liquidez do caixa da empresa, sendo muito utilizados e necessários para o adimplemento de obrigações do passivo circulante de curto prazo.
Nesse cenário se encontra a execução dos contratos de desconto bancário, uma vez que se trata de instrumento muito utilizado para a antecipação de recebíveis pelas empresas em recuperação judicial. Outrossim, a suspensão da execução desse contrato por instituições financeiras causa diversos transtornos para as empresas, podendo, inclusive, levá-las a uma situação insuperável de insolvabilidade, com a consequente decretação de sua falência.
Em muitos casos, as empresas dependem apenas da antecipação de recebíveis para a manutenção não só do cumprimento de obrigações cotidianas, mas também para a continuidade do próprio procedimento de recuperação judicial. Em razão disso, não é possível ignorar que a interrupção ou suspensão dos contratos de desconto bancário, aliados à dificuldade de obtenção de novas linhas de crédito, podem levar à falência prematura de empresas que, embora estejam em crise, ainda possuem condições de se reestruturar.
Nesse contexto, a ausência de mecanismos claros e eficientes para facilitar a obtenção de crédito no mercado pelas empresas em recuperação judicial evidencia uma lacuna legislativa que demanda atenção. A criação de instrumentos jurídicos que ofereçam maior segurança tanto para as empresas em crise quanto para os credores poderia minimizar os riscos envolvidos e, consequentemente, fomentar o financiamento dessas empresas.
Uma possível solução seria a regulamentação de créditos estruturados ou garantidos, que reduzissem o impacto do risco de inadimplência, oferecendo contrapartidas reais ou fiduciárias como garantia. Ademais, a introdução de incentivos fiscais ou tributários para instituições que financiem empresas em recuperação judicial também seria um mecanismo interessante para mitigar as dificuldades.
A doutrina especializada frequentemente aponta a necessidade de revisão de normas como a Resolução CMN nº 2.682/1999. Apesar de sua função de proteção ao sistema financeiro, tal regulação acaba desestimulando completamente o crédito para empresas em crise, o que é contraproducente para os objetivos da própria recuperação judicial. Uma abordagem mais equilibrada, que considere a viabilidade econômica das empresas e a preservação de seus ativos, seria benéfica para o mercado como um todo.
Outro ponto crucial é o incentivo à negociação entre credores e empresas em recuperação judicial. Mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como mediação e arbitragem, podem facilitar o entendimento entre as partes e evitar a judicialização excessiva, que muitas vezes retarda os processos e agrava a situação das empresas.
Por fim, é essencial que o sistema jurídico e econômico brasileiro caminhe no sentido de priorizar a manutenção da atividade empresarial. Empresas em crise, quando devidamente reestruturadas, têm potencial para retomar suas operações, preservar empregos e contribuir para a economia como um todo. No entanto, para isso, é indispensável a criação de um ambiente mais favorável ao acesso a crédito, à renegociação de passivos e à execução de contratos essenciais para sua recuperação.
Portanto, fica evidente que a recuperação judicial, apesar de ser um instrumento valioso, precisa ser acompanhada de outras medidas complementares, tanto legislativas quanto práticas, que possibilitem às empresas em crise superar os desafios impostos pela restrição de crédito e pela insegurança dos credores. Dessa forma, será possível alcançar o objetivo maior: a preservação da empresa e sua reintegração ao mercado de forma saudável e sustentável.
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